(Autor: Professor Caviar)
Segue o texto sobre o julgamento do caso Humberto de Campos em 1944. Sabemos que o texto abaixo é de notória parcialidade, porque a abordagem ocorre sob o ponto de vista favorável ao réu, no caso Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier, que foi processado em 1944 pelos herdeiros de Humberto de Campos: a viúva, dona Catarina Vergolino de Campos e os filhos Henrique e Humberto, sendo este último vítima de assédio moral de cunho religioso, atraído para uma doutrinária e um evento assistencialista em 1957 no qual foi emocionalmente manipulado para favorecer Chico Xavier e arquivar o processo judicial, que chegou a ter ações recorrentes após a sentença de 1944.
O texto é do livro A Psicografia Ante os Tribunais, escrito pelo próprio advogado de defesa de Chico Xavier e da FEB, Miguel Tímponi - que depois escreveu um livro de valor duvidoso sobre Magnetismo, sob o pseudônimo Michaelis - , o que diz muito do caráter de parcialidade da narrativa.
Sabe-se que, naqueles tempos, já havia a seletividade da Justiça, que aparentemente não entendeu a petição movida pelos herdeiros de Humberto, representados pelo advogado Milton Barbosa (que reconheceu irregularidades estilísticas na obra "psicografada"). Chico tinha como privilégio o fato de ser uma personalidade religiosa, protegida pelas elites, e isso garantiu a primeira grande blindagem que fez o mito do "médium bondoso" se deslanchar e atingir níveis preocupantes.
Cabe ler o texto aqui com um significativo nível de contestação. Afinal, é um texto claramente parcial, voltado a defender o ponto de vista de um dos lados, e, portanto, não cabe a leitura do mesmo sem fazer qualquer tipo de questionamento.
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A quem pertencem os direitos autorais de uma obra psicografada?
Por Miguel Tímponi - A Psicografia Ante os Tribunais - 1944, FEB
34-viuvaFrancisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, famoso médium mineiro, psicografou obras atribuídas ao espírito do falecido escritor Humberto de Campos, entre elas, “Reportagens de além-túmulo” e “Crônicas de Além-túmulo”.
A viúva Humberto de Campos propôs ação contra Chico Xavier e contra a Editora, Federação Espírita Brasileira, pedindo que juiz declarasse, por sentença, se essa obra literária era ou não do espírito de Humberto de Campos, pedindo também que, se não era, fossem os réus proibidos de usar o nome de Humberto de Campos: se era, que os direitos autorais fossem assegurados exclusivamente à família de Humberto de Campos.
Para comprovação do alegado, os autores requereram a realização de demonstrações mediúnicas para verificação da sobrevivência e operosidade do Espírito de Humberto de Campos.
A Federação Espírita Brasileira ofereceu contestação, argüindo a impossibilidade jurídica do pedido, entre outras razões por não competir ao Estado resolver controvérsias religiosas, filosóficas ou científicas.
Chamou a atenção para o fato de que, nos termos da petição inicial, a condenação dos réus haveria de ser pronunciada em qualquer caso, quer afirmada quer negada a autoria do espírito de Humberto de Campos.
No mérito, transcreveu mensagem em que o mesmo Espírito concluía:
... ajoelho-me no altar da fé, rogando a Jesus inspire os dignos Juízes de minha causa, para que façam cessar o escândalo, em torno do meu Espírito, considerando que se o próprio Salomão funcionasse nesta causa, ao encarar as dificuldades do assunto, teria, talvez, de imitar o gesto de Pilatos, lavando as mãos...”
Por sentença de 23 de agosto de 1944, o Juiz João Frederico Mourão Russel, Juiz de Direito em exercício na 8a. Vara do Distrito Federal, julgou os autores carecedores de ação.
Em 3 de novembro de 1944, a 4a. Câmara do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, relator o Dês. Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, conheceu como de apelação o recurso, interposto como de agravo de petição, e lhe negou provimento.
Disse o Relator:
... nos termos do art. 10 do Código Civil, “a existência da pessoa natural termina com a morte”; por conseguinte, com a morte se extinguem todos os direitos, e, bem assim, a capacidade jurídica de adquirir,. No nosso Direito é absoluto o alcance da máxima: Mors omnia solvit. Assim, o grande escritor Humberto de Campos, depois de sua morte, não poderia ter adquirido direito de espécie alguma, e, consequentemente, nenhum direito autoral poderá da pessoa dele ser transmitido para seus herdeiros e sucessores. “Nossa legislação protege a propriedade intelectual em favor dos herdeiros até certo limite de tempo, apos a morte, mas, o que considera, para esse fim, como propriedade intelectual, são as obras produzidas pelo de cujus em vida, o direito a estas é que se transmite aos herdeiros. Não pode, portanto, a suplicante pretender direitos autorais sobre supostas produções literárias atribuídas ao “espírito” do autor.
Prosseguindo, disse o relator:
... examinando o objeto da presente ação declaratória, acentua a decisão recorrida que a mesma não tem por fim a simples declaração de existência ou de inexistência de uma relação jurídica, nos termos do Parágrafo único do art. 2o do CPC, mas objetiva, segundo os itens formulados na inicial, a proposição de mera consulta, eis que a autora não afirma um fato e a relação jurídica que dele deriva, mas, ao contrario, pretende que a Justiça, submetendo a hipótese, isto é, a investigação sobre a produção de obras supostamente literárias atribuídas ao “espírito”de Humberto de Campos – para sua elucidação – a todas as provas científicas Possíveis, e, assim, declare a existência ou não de um fato do qual, num terreno hipotético, possam resultar relações jurídicas alternativamente enunciadas pela autora. De fato, a inicial, objetivando semelhante investigação, constitui mera consulta; não contém nenhum pedido positivo, certo e determinado que a Justiça se deva cingir e sobre o qual se possa manifestar. Razão assiste, ainda, sob esse aspecto, ao ilustre Juiz, prolator da decisão recorrida, atentos os pressupostos, já ressaltados, da ação declaratória, a cujo ingresso em juízo se impõe a argüição de interesse legítimo inerente à existência ou inexistência de uma relação jurídica ou à declaração de autenticidade ou falsidade de documento. Ora, basta considerar o que vem exposto na inicial, visando o debate na tela do Poder Judiciário de questão cuja transcendência científica permanece envolta nas sombras de dúvidas até aqui instransponíveis ao conhecimento humano, como o incognoscível, nitidamente com o caráter de consulta, investigação e positivação, para o fim de ser admitida a existência ou não de determinado fato, de que resultaria a demonstração de ser ou não do “espírito” de um grande escritor, falecido, incriminada publicação, para, desde logo, se concluir pela ilicitude do pedido da autora e, sobre ser assim, que esta não logrou enquadrar semelhante pedido nos pressupostos legais da ação declaratória a ponto de impor se conclua, inarredavelmente, pela impropriedade do meio judicial visado.
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