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Chico Xavier usou Humberto de Campos para se vingar

(Autor: Professor Caviar)

Uma atitude deplorável, exemplo de impunidade, está associado a Francisco Cândido Xavier. A usurpação do nome de Humberto de Campos fez, da parte do anti-médium mineiro, o único caso em que a apropriação indébita de um autor falecido foi consentida não só pela sociedade, como pela própria Justiça.

Chico Xavier tornou-se a única pessoa que praticamente foi autorizada a se apropriar de um outro indivíduo, sem ter relação social alguma com ele, e tornando-se "dono" de sua obra e seu legado. Nem Michael Jackson chegou a tais pretensões quando adquiriu os direitos autorais das canções dos Beatles.

É certo que o que Humberto de Campos produziu em vida nunca passou a ter o copyright de Chico Xavier. Mas as obras de Humberto caíram no esquecimento e, por associação, mesmo a trajetória encarnacional do escritor maranhense está simbolicamente associada ao anti-médium mineiro, a ponto de muitos vincularem as obras da vida material com a produção "espiritual" que leva o nome do ex-membro da Academia Brasileira de Letras.

É como Auta de Souza, a bela e jovem negra que havia sido poetisa romântica, e que, mal podendo ser reabilitada por intelectuais renomados, ela foi "sequestrada" por Chico Xavier, que inventou poemas e pôs o nome dela como autoria. Sem perceberem coisa alguma, seja diferenças de estilo ou coisa parecida, os seguidores de Xavier misturam poemas autênticos que Auta fez em vida e os poemas "espirituais" da moça cujo estilo remete mais ao suposto médium.

E como surgiu a apropriação de Chico Xavier sobre Humberto de Campos? Veio a partir de uma resenha, dividida em duas partes, em que Humberto de Campos, na sua coluna no Diário Carioca, edições de 10 e 12 de julho de 1932. Ele comentava o Parnaso de Além-Túmulo, que Chico Xavier publicou naquela época, com apenas 22 anos de idade.

À primeira vista, Humberto de Campos havia reconhecido semelhanças entre os poemas "espirituais" e os que os autores atribuídos publicaram em vida. Pode ser uma ligeira impressão, uma ironia ou apenas porque ele admitiu semelhanças, sem no entanto afirmar que os poemas realmente teriam sido espirituais, ideia que ele encarou como suposição.

Um indício disso está num parágrafo, em que atribui essa similaridade à primeira impressão dada pelos leitores antes de uma análise aprofundada da obra. Certamente, essa é a impressão do próprio autor, afinal, a obra era recente e as discussões intelectuais percorreriam duas décadas, sobretudo o parecer de especialistas como Osório Borba, que confirmavam o caráter fraudulento do livro poético.

Segue o que Humberto teria dito, a respeito dessa impressão:

"O primeiro pensamento que assalta o leitor, antes de examinar o merecimento literário da obra, é a ideia de que, nem no outro mundo, estará livre dos poetas. A poesia é uma predestinação de tal modo fatal, irremediável, que a vítima não se livra dessa maldição nem, mesmo, depois da morte. Quem fez sonetos ou redondilhas neste planeta, está condenado a fazê-las em todos os pontos do espaço e da eternidade a que o leve o dedo divino. E sem mudar de estilo. E sem variar de temas. E sem modificação de ritmos, de rimas ou de inspiração".

Mais tarde, ele comentou o seu caso, dando a impressão de aparente consentimento com a suposta veracidade da obra, mas que, numa atenção apurada, não era apenas uma suposição. Humberto via semelhanças entre os poemas "espirituais" e os feitos em vida, mas é evidente que ele, como intelectual, não julgaria veracidade definitiva, apenas se limitava a afirmar que viu semelhanças entre uns e outros.

"Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pela pena de Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas caraterísticas de inspiração e de expressão que os identificavam neste planeta. Os temas abordados são os que os preocupavam em vida. O gosto é o mesmo. E o verso, obedece, ordinariamente, a mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e profundo em Augusto dos Anjos - sente-se ao ler cada um dos autores que veio do outro mundo para cantar neste instante, a inclinação do sr. Francisco Cândido Xavier para escrever "À la manière de..." ou para traduzir o que aqueles outros espíritos sopraram ao seu".

De repente, porém, Humberto destila a sua ironia, e pode até ser que ele tivesse uma sutil dúvida quanto à veracidade da "psicografia". E, observando bem, a própria declaração de Chico "traduzir o que aqueles outros espíritos sopravam ao seu" revela a intervenção do "médium", num recurso que os estudiosos espíritas autênticos denominam de "filtro anímico", quando um médium interpreta por suas próprias impressões um recado vindo do além. Humberto reage assim às "obras do além":

"(...) Por enquanto eu quero, apenas, pôr de sobreaviso os poetas vivos contra o perigo que a todos nos ameaça com a ideia que tiveram os mortos de voltar a escrever neste mundo em boa hora abandonado por eles. Se eles voltam a nos fazer concorrência com os seus versos perante o público e, sobretudo, perante os editores, dispensando-lhes o pagamento de direitos autorais, que destino terão os vivos que lutam, hoje, com tantas e tão poderosas dificuldades?

Quebre pois cada espírito a sua lira na tábua do caixão em que deixou o corpo. Ou, então, encarna-se outra vez, e venha fazer a concorrência aqui em cima da terra, com o feijão e o arroz pela hora da vida.

Do contrário, não vale".

Este comentário pode ter causado irritação em Chico Xavier. "No fundo ele não gostou do meu trabalho", é o que poderia ter dito o mineiro, muito provavelmente. É possível que Chico Xavier tivesse esperado um outro desfecho, algo como "o livro transmite mensagens positivas", "além de um livro de poemas, é um recado de esperança para os infelizes" ou coisa parecida.

Como é que Chico Xavier foi reagir a tudo isso? Com toda a certeza, ele era o "menino de ouro" da Federação "Espírita" Brasileira e deve ter comentado a resenha com seu mentor intelectual terreno (sim, Chico tinha um orientador na Terra), chamado Antônio Wantuil de Freitas, presidente da entidade, roustanguista apaixonado e visto em boa conta pelo outro mentor, o espírito jesuíta do padre Manuel da Nóbrega, rebatizado Emmanuel.

CHICO INVENTOU UM SONHO PARA SE APROPRIAR DO NOME DE HUMBERTO

O que foi feito? Chico Xavier inventou um sonho no qual via um monte de gente estranha, na qual se destacou Humberto de Campos que, bondosamente, teria se apresentado ao mineiro: "Você é o menino do Parnaso? Eu sou Humberto de Campos". 

O sonho, que no fundo teria sido uma lorota de mineiro que "come quieto", teria sido um pretexto para a autoria "espiritual". Era uma desculpa que Chico Xavier usou para tentar justificar a suposta parceria e para deixar à posteridade um falso vínculo entre ele e Humberto de Campos.

Alguns livros foram lançados até o famoso incidente de 1944. E, neles, nota-se a disparidade de estilo, a não-semelhança que teria decepcionado o próprio Humberto, se soubesse o que Chico Xavier fez com o nome dele. Comprovadamente, Humberto de Campos nunca escreveu uma vírgula nem um til sequer dos livros que levam o nome dele ou o codinome Irmão X, paródia que Chico fez de um dos pseudônimos do autor, Conselheiro XX.

Quem observa o estilo do "espírito" de Humberto de Campos / Irmão X não tem dificuldades para observar a diferença gritante com o estilo do autor de livros como O Brasil Anedótico e O Monstro e Outros Contos. 

O autor maranhense era conhecido, em vida, pelo seu estilo fluente. Escritor parnasiano, ele todavia reunia uma linguagem culta e uma escrita bem feita com a simplicidade de seus textos e a fluência de sua narrativa. Eram, portanto, textos prazerosos de serem lidos, mas fáceis de entender. Humberto escrevia de maneira descontraída, e envolvia temas laicos, referentes à cultura do seu tempo. 

Se havia temas religiosos, ele não escrevia como um fanático devoto, até porque ele Humberto era ateu, mas conforme as perspectivas de um intelectual que respeitava as tradições religiosas de seu lugar, de seu meio e do povo de sua época.

Uma prova disso é o capítulo "Jesus", do livro O Monstro e Outros Contos - de 1932, livro que Humberto lançou na época das resenhas sobre Chico Xavier - , uma grande heresia pelo fato de incluir o nome de uma figura considerada sagrada, Jesus de Nazaré, a um livro de contos com esse título macabro.

No referido conto, Humberto simplesmente destaca o fato de que o menino Jesus, proibido de brincar com outras crianças porque era visto como o "messias", se entristecia por isso, porque Jesus queria brincar com os amigos. Humberto encerra o conto imaginário de forma poética: "Jesus de Nazaré começava a sofrer, nesse dia, a tristeza de ter nascido Deus...".

Essa ideia nunca passaria pela cabeça do "espírito Humberto de Campos". Este escrevia feito um sacerdote, parecendo vir do Vaticano e não da Academia Brasileira de Letras. A escrita é pesada, forçadamente erudita mas de leitura bastante pesada e de leitura cansativa. Havia vícios de linguagem (apareceu um "que cada", cuja pronúncia equivale a "quicada") e o conteúdo da narrativa era aberrantemente igrejista, com uma ênfase bastante suspeita nos fatos bíblicos.

Realmente isso foi uma grande sacanagem de Chico Xavier, que veio se vingar pelo fato de um membro da ABL não ter legitimado Parnaso de Além-Túmulo. E, na época, ele usou um nome prestigiado para alcançar seu sucesso, ainda que sob o contexto do sensacionalismo e sob o alto risco de polêmicas severas.

E aí veio o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, uma bobagem ufanista - o livro teria surgido de um acordo da FEB com o Estado Novo para não tratar mais os "centros espíritas" como atividades criminosas - que nada tem de revelador, até porque os fatos históricos se baseiam no que os livros didáticos mais ordinários existentes na Terra já descreviam, com seus pretensos heróis e com uma abordagem cheia de preconceitos, injustiças e exageros.

Juntos, Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho e Parnaso de Além-Túmulo causaram uma severa polêmica intelectual. Intelectuais como Agrippino Grieco e Monteiro Lobato se abstiveram a dizer se os trabalhos eram ou não mediúnicos, mas a FEB, tendenciosa, inventou que os dois "comprovavam" a suposta psicografia.

O PROCESSO JUDICIAL QUE DEU EMPATE

Em 1944, a polêmica culminou quando veio o processo movido pelos herdeiros de Humberto de Campos, a viúva Catarina e dois dos seus três filhos (a filha do escritor não participou diretamente do processo, se limitando ao apoio solidário). Chico Xavier e a FEB eram o alvo da ação judicial, que no entanto tentou ser um tanto melindrosa.

O enunciado era hesitante. Consistia apenas em perguntar à Justiça se as obras eram realmente mediúnicas ou não. No caso positivo, que os direitos autorais fossem considerados em favor dos herdeiros. No caso negativo, que Chico e a FEB indenizassem os herdeiros do autor por danos morais relacionados ao uso indevido do nome do falecido escritor.

A Justiça não entendeu a questão. O processo poderia ser direto, visando condenar Chico e a FEB por apropriação indébita do nome de um autor falecido, já que o advogado dos herdeiros, Milton Barbosa, identificou aberrantes irregularidades na escrita do "espírito Humberto", de qualidade extremamente inferior à do autor maranhense.

Sobre a frase do livro Boa Nova, de 1941, atribuído a Humberto, Milton é exato e contundente na identificação de problemas só com a frase "É natural que cada um somente testifique daquilo que saiba; porém, precisamos considerar que tu ensinas". Comenta Milton Barbosa:

"Observou este cacófato: “Que cada”? E este verbo. Já ouviu alguém dizer “testifique”? O verbo para o caso seria “testemunhar”, é claro. Acha o senhor possível que um escritor como Humberto de Campos escrevesse estas coisas?"

Attila Paes Barreto, jornalista que investigou as irregularidades das obras de Francisco Cândido Xavier, cita uma entrevista que teria sido feita por um outro repórter ao espírito Emmanuel, manifesto por intermédio de Chico Xavier, e, quanto às diferenças de estilo de Humberto de Campos em vida e do suposto espírito do autor, veio essa desculpa risível do jesuíta do além, ao responder a pergunta:

"- Não teria havido modificação no estilo da literatura de Humberto de Campos depois de sua morte?

- Naturalmente. O estilo é o homem espírito".

Attila não acreditou na desculpa, evidentemente. Antecipando a ironia que Léo Gilson Ribeiro, da revista Realidade, comentou sobre os pastiches de Chico Xavier, de que "o espírito sobe e o talento desce", Attila despejou o comentário abaixo, mostrando a incoerência da desculpa de Emmanuel:

"Naturalmente, o estilo é o homem espírito! Segundo, pois, o próprio guia espiritual de Chico Xavier, o estilo da obra literária de Humberto, espírito, não é o mesmo estilo da obra literária de Humberto, vivo.

Houve modificação.

E para pior.

Para o intragável".

Com o andamento do processo e os juízes declarando a ação "improcedente" - eles não entenderam a razão do processo judicial - , o desfecho deu em empate, mas rendendo pontos a Chico Xavier como um zero e zero que favorece um dos times num torneio de futebol.

Houve até mesmo uma inversão de valores. Chico Xavier e a FEB, que teriam usado o nome de Humberto de Campos para dar êxito comercial para as supostas psicografias e alimentar o sensacionalismo que o mineiro já utilizava usando nomes de autores falecidos em supostas psicografias, com o intuito evidente de GANHAR MUITO DINHEIRO, foram vistos como "caridosos", "bondosos" e "humildes praticantes da filantropia gratuita que nada pede em troca".

Por outro lado, os herdeiros de Humberto de Campos, que apenas pediam para a obra do falecido autor ser respeitada e não usurpada por estranhos, acabaram levando a fama desmerecida de "mercenários", amaldiçoados pelo "movimento espírita" sob o pretexto de se aproveitarem da memória de seu próprio familiar para ganhar dinheiro contra os "benfeitores da caridade".

Para forçar essa falsa reputação dos herdeiros, vítimas que se tornam "culpadas" - é de praxe no "movimento espírita" transformar vítimas em algozes - , Chico e Wantuil escreveram, após o fim do julgamento, uma mensagem a quatro mãos e atribuíram a autoria a Humberto de Campos, estranhamente magoado com os familiares:

"Quero, porém, salientar, nesta resposta simples, que meus filhos não moveram semelhante ação por perversidade ou má-fé. Conheço-lhes as reservas infinitas de afeto e sei pesar o quilate do ouro da carinhosa admiração que consagram ao pai amigo, distanciado do mundo. Mas que paisagem florida, em meio do mato inculto, estará isenta da serpe venenosa e cruel? É por isto que não observo esse problema triste, como o fariseu orgulhoso, e sim como o publicano humilhado, pedindo a bênção de Deus para a humana incompreensão".

Um impiedoso que "perdoa". Essa reação é típica de Chico Xavier. Um morde-e-assopra que forja um Humberto de Campos piedoso, mas desconfiado, de seus próprios familiares. A contradição do suposto espírito que "sabe pesar o quilate de carinhosa admiração" dos filhos a ele, mas que os vê como sujeitos à "serpe venenosa e cruel". Uma contradição que revela logo de cara que a mensagem não seria de Humberto de Campos.

Mas um trecho da menagem do suposto espírito é logo desmascarada, quando se observa, de maneira escancarada, que o estilo do pequeno parágrafo é literalmente IGUAL ao das frases de Chico Xavier publicadas frequentemente na Internet: "Na paz do anonimato, realizam-se os mais belos e os mais nobres serviços humanos".

O DESFECHO FINAL

Diante dessas situações, Chico Xavier foi transformado em mito pela FEB, às custas de muito sensacionalismo que culminou, depois, no enganoso marketing da caridade que a Rede Globo realizou, no final dos anos 1970, usando as mesmas técnicas de um documentário britânico, feito por Malcolm Muggeridge, fez a respeito de Madre Teresa de Calcutá.

Quanto ao caso Humberto de Campos, enquanto seu legado original, antes com popularidade comparável a de João Ubaldo Ribeiro nos últimos tempos, tornou-se esquecido no decorrer dos anos, seu vínculo, tendencioso e falso, com Chico Xavier, se consolidou de forma que o anti-médium tornou-se a única pessoa a se apropriar indevidamente de outro autor e sair não só impune, mas sob o apoio entusiasmado da sociedade.

Chico Xavier fez das suas ao transformar Humberto de Campos no seu brinquedo literário. Fez o suposto espírito viajar para Marte, conhecer Judas Iscariotes, fazer juízo de valor aos infelizes que sofreram a tragédia de um circo em Niterói, além de fazer todo aquele ufanismo barato em torno do Brasil, mostrar preconceitos sociais contra negros e índios e, com discreta excitação, encontrar uma Marilyn Monroe melancólica e presa em seu túmulo.

Invencionices mil. Humberto de Campos não só foi usurpado como foi um personagem fictício. Virou personagem da ficção de Chico Xavier, de forma mais perniciosa e fútil, porque a ficção pretendia ser realidade, e o pseudo-Humberto das supostas psicografias pretendia ser verdadeiro.

O que poucos esquecem é que a intenção do falso é parecer com o verdadeiro. Muitos se impressionam com as aparentes semelhanças da obra de Humberto de Campos, enquanto vivo, e a do suposto espírito do autor. Mas as diferenças, gritantes, derrubam qualquer esperança de veracidade. Mas, infelizmente, Humberto de Campos tornou-se refém de Chico Xavier.

Convém, portanto, em respeito ao saudoso autor maranhense, promover esse desvínculo e desmascarar a obra do "médium", que nunca tem nem terá a ver com o legado de Humberto de Campos. Em respeito a Humberto, devemos separá-lo de Chico Xavier e promover uma ruptura definitiva que seja respaldada pela lei e pela opinião pública. Isso não é um apelo, é um dever!

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